Covid 19: Sobre vacinas & vacilos

“Há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Sobre o Universo eu tenho dúvidas”. (Albert Einstein)

Por: Geniberto Paiva Campos

Dizem que o mundo pós-pandemia não será mais o mesmo. Em alguns países – parece ser o caso do Brasil – as mudanças se antecipam. No entanto, irá depender de quem governa e da forma que interpreta e enfrenta os novos desafios da área da saúde.

A estratégia do “negacionismo” não deveria receber o exagerado rótulo de “projeto genocida”. Embora tenha causado, até agora, um quarto de milhão de óbitos e nove milhões de infectados, não se trata exatamente de um projeto de extermínio. Estamos diante da mais crassa ignorância científica, aliada a uma granítica teimosia, cujas consequências são visíveis. E eram previsíveis… afinal, o pleno exercício do Poder, ancorado na estupidez e na teimosia, tende a gerar sérias consequências.

Antes de chegarmos à tragédia de Manaus, a qual confirmou as suspeitas de total inaptidão administrativa do Governo Federal em relação à Pandemia, vários desatinos foram cometidos, numa preocupante sequência, aparentemente sem nenhuma autocrítica por parte dos executores. Cada vez mais apegados às suas retrógradas crenças políticas e ideológicas. E sem qualquer sentimento humanitário pelas vítimas do Covid. “-E daí? Todos morrem um dia...”, eis a frase presidencial, dita com frieza e indiferença. E indisfarçada arrogância.

Uma matéria de Carta Capital, de 03.02.21, do Jornalista André Barrocal, que tomou por base os dados da pesquisa “Direitos na Pandemia”, desenvolvida por professores de Saúde Pública da USP e os advogados da ONG “Conectas”, os quais defendem que há uma estratégia do governo federal de disseminação da Covid, levada adiante sob a liderança da Presidência da República.

Esta estratégia foi responsável pelos óbitos registrados no país, até aqui; óbitos na maioria evitáveis, caso o presidente Bolsonaro não estivesse interessado, baseado em suas convicções pessoais, em fazer a economia funcionar “na marra”, fundamentando suas convicções de que “com mais gente contaminada, ocorreria a imunidade de rebanho na população e a volta à rotina” das atividades econômicas. Tais expectativas foram levadas aos últimos estágios da teimosia, gerando as consequências que estamos vivenciando.

A disponibilidade das vacinas específicas para imunização contra o coronavírus, obtidas em tempo recorde, foram recebidas pelos agentes do governo como um empecilho aos seus objetivos distorcidos e não como instrumento de controle efetivo da Pandemia. Daí as dificuldades logísticas para a elaboração de um plano de vacinação, para cobrir, o mais rapidamente possível, os segmentos populacionais mais vulneráveis. E para o espanto de muitos, os confrontos com dirigentes de governos estaduais, abstraindo completamente os sérios riscos enfrentados pela população.

 Os confrontos do atual governo parecem assumir as características de um conflito entre as convicções dos seus integrantes com a ciência, e os conhecimentos acumulados pela medicina ao longo do tempo, e não com uma doença – agora, potencialmente controlável pela disponibilidade de vacinas – sobre as quais se colocam dúvidas, mesmo infundadas, e espalham, irresponsavelmente, notícias falsas (codinome “fake news), criando sérias incertezas sobre as vacinas na população sob risco de vida ou de lesões orgânicas (sequelas) irreversíveis.

Alguns fatos adicionais, que causam espanto nos que pensam com mais de dois neurônios, referem-se; (1) a não utilização dos testes diagnósticos disponíveis para confirmar ou excluir a presença do Covid; (2) a indicação de medicamentos, de eficácia não comprovada, para tratamento da Pandemia, em sua fase aguda, tais como Cloroquina e Ivermectina. Que apenas comprovam a renitente teimosia dos “cientistas” integrantes e aderentes às condutas erráticas do Governo Federal, frente a uma situação que está a exigir o máximo de competência, honestidade científica e intelectual.

E, por último, mas não menos importante, a necessária humildade para organizar a realização efetiva de um trabalho conjunto dos vários níveis de Governo (federal, estaduais e municipais), organizações da área da saúde, cientistas, acadêmicos, estudiosos e outros interessados.  Assumindo, desta forma o irrecusável desafio do Covid 19. E organizando, assim, o seu enfrentamento eficaz e inteligente. E sem nenhuma preocupação de qualquer integrante do grupo ser o “vencedor” da batalha do Covid. Aí somente haverá um vencedor: o povo brasileiro.

Finalmente, é cabível uma questão que não quer calar:  a que tipo de governo o Brasil está sendo submetido? Um governo eleito e parcialmente apoiado por grupos populacionais heterogêneos, que parecem viver em outro mundo, outras galáxias? Como chegamos a tão estranha situação? O povo explorado votando na extrema direita?

A tragédia ocorrida em Manaus parece ter ultrapassado os limites de tolerância com este governo. E provocaram uma enxurrada de pedidos de “impeachment” à Câmara Federal, a qual cuidou apenas de ignorá-los. Além de pedidos de investigações formais ao Poder Judiciário, os quais provocaram as esperadas respostas burocráticas, através de processos investigativos, em curso.

Algo se move nas entranhas da chamada democracia representativa, resultando em inesperados resultados eleitorais (plebiscitos, eleições presidenciais) nesta segunda década do século 21. Assim ocorreu no plebiscito inglês (Brexit), no qual os ingleses votaram contra seus próprios interesses; e nas eleições presidenciais dos Estados Unidos e do Brasil, que resultaram nas vitorias de Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Aparentemente, o poder político passa a ser exercido por candidatos de escassa vivência prévia na vida política administrativa dos seus respectivos países. Haveria, portanto, mudanças significativas nos padrões habituais de escolha eleitorais, com vitórias surpreendentes de candidatos que representariam a “antipolítica”.

 Trata-se de um processo complexo, mas que começa a ter suas explicações possíveis. E, novamente, o capitalismo é instado a responder pelo seu irrecusável papel no jogo político, agora, sob o rótulo do neoliberalismo: sistema político econômico – que não ousa dizer o seu nome e seria – incompatível com a democracia.

Na busca de interpretar a atual conjuntura e o entrelaçamento da política com a economia, o cientista social Ladislau Dowbor lançou recentemente (2020), pelas edições Sesc, o livro “O capitalismo se desloca” – novas arquiteturas sociais- onde no capítulo III tece considerações pertinentes sobre o “O conto ideológico: a narrativa do merecimento”, ousa explicar as formas assumidas pela economia de exploração para “construir a narrativa ideológica de sua razão de ser”. E prossegue Dowbor,”a exploração ,ou seja, a apropriação do excedente social por uma minoria, vai buscar uma explicação aceitável , uma narrativa, como hoje dizemos, ainda que enganadora.

A superestrutura organizada do poder buscará formar um sistema articulado que se sustente. Será normalmente a combinação de um mecanismo de extração da riqueza social com uma ampla construção ideológica destinada a explicar a exploração em nome de algum tipo de merecimento das classes superiores, justificando uma forma de apropriação do trabalho de terceiros (escravos, servos, assalariados ou, ainda, terceirizados, segundo a época e as regiões” (…)

Dessa forma, o autor coloca os conceitos iniciais de uma construção ideológica dirigida às classes subalternas, com o objetivo de “naturalizar” a exploração e, eventualmente, obter o apoio político eleitoral dos explorados.

Vejamos alguns conceitos, anunciados com o objetivo de fortalecer o “conto ideológico” e sua assimilação automática: “as narrativas não constituem algo novo. Os africanos podiam ser escravizados porque não tinham alma, os servos precisavam obedecer porque o rei era um escolhido de Deus e os senhores feudais tinham sangue azul, os assalariados precisam sobreviver com que recebem porque os mais ricos são mais ricos por merecimento. A cada situação, de fato, corresponde um conto de fadas, frequentemente grosseiro, mas suficientemente repetido pelos que controlam e formatam a opinião pública, para “pegar”, e se tornar lugar-comum. ”

Aos que se espantam com a eleição do nosso atual governante e se surpreendem com o seu reiterado apoio entre as classes subalternas, as reflexões do Dowbor abrem, pelo menos, uma janela para o entendimento dessa situação algo inesperada. E, talvez, para o desencadeamento de ações efetivas no âmbito da “Educação para a Cidadania”.

Uma pauta política essencial – e claramente exequível – para recolocar o país nos caminhos da liberdade e da democracia, suportes fundamentais para desfrutarmos da plena Igualdade e do direito à soberania. E por último, mas não menos importante, fazermos o planejamento e a execução das ações efetivas de enfrentamento da Covid 19. Uma pauta urgente e necessária. E que Deus nos ajude.

Geniberto Paiva Campos – Médico – Membro da CBJP

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